"Muitos cristãos se apegam a declarações da Bíblia para justificar o uso moderado de bebidas alcoólicas."
(Rubem M Scheffel)
A Bíblia ensina a moderação naquilo que é bom, e a abstinência daquilo que é mau. Como exemplo de moderação, temos o conselho de Salomão para comer mel "porque é saudável" (Provérbios 24: 13). Mas em seguida ele adverte que "comer muito mel, não é bom" (Provérbios 25:27). O excesso, mesmo nas coisas boas, é sempre prejudicial.
Já o uso de bebidas alcoólicas, por ser nocivo, é condenado nas Escrituras. O profeta Habacuque chama o vinho de "enganoso" (Habacuque 2:5), enquanto Salomão diz que. "o vinho é escarnecedor, e a bebida forte alvoroçadora; todo aquele que por eles é vencido, não é sábio" (Provérbios 20: 1).
Tais advertências, entretanto, com o tempo foram sendo ignoradas: Quando Isaías vivia, o uso de vinho fermentado tinha se tornado um problema tão universal, que até mesmo os sacerdotes se embriagavam. (Ver Isaías 28:7.)
Um pouco de vinho
Os cristãos que defendem a moderação no beber, geralmente citam dois textos bíblicos para tentar provar sua tese. O primeiro deles é I Timóteo 5:23: "Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades."
Para alguns, este texto indica que as bebidas alcoólicas não representam risco à saúde. Para outros, trata-se de uma clara recomendação para uso moderado de vinho.
Este conselho, dado por Paulo a Timóteo, tem sido seguido com prazer durante os últimos 19 séculos, por inúmeras pessoas amantes das bebidas alcoólicas. Assim, é importante verificar a natureza do conselho de Paulo e sua aplicação para nós hoje.
Em primeiro lugar, o conselho de Paulo a Timóteo deve ser considerado como uma expressão de cuidado paterno, e não como uma ordem. O apóstolo não está mandando que seu amado filho na fé beba vinho à vontade. O seu conselho é para que ele use um pouco de vinho, pela razão mencionada: “por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades”.
Comentando este versículo, Samuele Bacchiocchi, em seu livro Wine in lhe Bible, diz: "Paulo não está aqui estabelecendo uma regra a ser seguida por toda a cristandade, nem está “prescrevendo vinho como uma panaceia para todo tipo de doenças. Ele estava apenas fazendo uma recomendação que julgava útil para aliviar os problemas de Timóteo. A única conclusão legítima que se pode tirar deste texto é que é apropriado usar uma pequena quantidade de vinho por razões médicas."1
Veremos adiante o tipo de vinho a que Paulo estava se referindo.
Segundo alguns comentaristas, o que o texto original em grego quer dizer é: "Não bebas mais água pura: use-a misturar com um pouco de vinho."
Como medicamento, o vinho deve ser misturado com água, como a calda feita de uvas e outras frutas era antigamente preparada e usada como tônico para o estômago em casos de dispepsia. Quando se conhece este fato, torna-se absurdo imaginar que este texto seja uma "santa" recomendação para beber vinho em lugar de água.
"A prática de misturar uma parte de vinho em duas, três, cinco ou mais partes de água, era comum no mundo antigo. Alguns vinhos, especialmente a calda grossa do suco de uva, era misturada em até 20 partes de água."2
Tipos de vinho
Geralmente se pensa que o vinho que Paulo recomendou a Timóteo contivesse álcool. Mas não há qualquer certeza nesse sentido, por duas razões: o termo vinho era usado de maneira genérica para denotar tanto o vinho fermentado como o não fermentado. Em segundo lugar, há testemunhos históricos que atestam o uso de vinho não fermentado por razões médicas no mundo antigo.
Aristóteles, no quarto século A.C., recomenda o uso de um suco de uva doce, chamado glukus em grego, porque, diz ele, "embora chamado vinho, ele não tem o efeito do vinho".
Ateneus, o Gramático (280 A.D.) aconselha especificamente o uso de um tipo de suco de uva, que alguns chamam de "vinho doce", para as desordens do estômago.
Já Plínio, contemporâneo de Paulo, fala também do uso médico de vinho fermentado, demonstrando assim que os dois tipos de vinho eram utilizados como remédio. No entanto, Plínio reconhece que o vinho fermentado é absorvido mais rapidamente e "sobe para a cabeça". Para evitar os efeitos colaterais do vinho com álcool, Plínio recomenda o uso de suco de uva filtrado.
"Os testemunhos de Aristóteles, Ateneus e Plínio indicam que o vinho não fermentado era conhecido e preferido em relação ao vinho fermentado, porque não possuía os efeitos colaterais deste último. A luz de tais testemunhos, é razoável supor que o vinho recomendado por Paulo a Timóteo fosse, na verdade, não fermentado."3
O texto que analisamos indica claramente que Timóteo tinha o hábito de beber apenas água. Ele era abstêmio, portanto. Se tivesse o hábito de beber vinho, este conselho de Paulo teria sido desnecessário. Temos razão para crer que o próprio Paulo havia instruído Timóteo a ser abstinente, porque anteriormente, nessa mesma epístola, o apóstolo diz que um bispo cristão, entre outras coisas, não deve ser dado ao vinho. (Ver I Timóteo 3:2 e 3.)
"Não inclinados a muito vinho"
O segundo texto utilizado pelos moderacionistas é o de I Timóteo 3:8: "Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados a muito vinho..."
Parece que Paulo está sendo mais exigente com os bispos (ou anciãos), que não devem ser dados ao vinho, do que com os diáconos. que não devem ser inclinados muito vinho.
O Dr. Robert Teachout, professor de Velho Testamento no Seminário Teológico Batista de Detroit, sugere que essa diferença entre as duas declarações paulinas podem indicar duas coisas diferentes, isto é, que os anciãos foram instruídos a se abster de bebidas alcoólicas, enquanto os diáconos deviam ser moderados no consumo de suco de uva.4
Embora esta solução possa parecer forçada, está plenamente em harmonia com o duplo significado da palavra vinho e com o contexto imediato.
Os diáconos tinham a incumbência de visitar os lares, a fim de arrecadar ofertas para assistir aos necessitados. Ora, nessas visitas, era costume oferecer aos diáconos um copo de suco de uva, já que os cristãos haviam sido ensinados por Paulo a se absterem de bebidas alcoólicas.
À luz desse contexto, Paulo estaria exortando os diáconos a serem moderados no beber suco de uva durante suas visitas aos irmãos. Um diácono que bebesse vários copos nos lares visitados, logo se tornaria conhecido como beberrão ou glutão.
Esses dois conselhos, portanto, não são incoerentes. Os líderes da igreja deviam-se abster de bebidas alcoólicas. E os diáconos deviam ser moderados no consumo de suco de uva, a fim de protegerem sua própria reputação e também a imagem da igreja.
Referências
1. Samuele Bacchiocchi, Wine in lhe Bible, pág. 243.
2. Ibidem, pág. 243.
3. Ibidem, pág. 245.
4. Ibidem, pág. 251.
Fonte: IASD EM FOCO
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