Por André Flores
Nos Dez Mandamentos, encontramos um que  diz: “Não matarás” (Ex 20:13). É certo que a expressão negativa enfática  de não matar se refere às mais variadas formas que levam à morte.  Dentre elas, lembramos do assassinato, da eutanásia e do aborto. O  suicídio também é considerado como a quebra desse mandamento, tendo em  vista que significa autodestruição, ou negação da própria vida. O termo  se origina do latim sui, que quer dizer a si mesmo, e caedere que  significa cortar, matar.
No mundo cristão, é fácil notar como são  tratados aqueles que cometem suicídio. Na maioria das vezes, os suicidas  são tidos como excluídos da oportunidade de salvação e, por essa razão,  os familiares tentam ocultar a real causa da morte. Devido o  constrangimento, a família tende a alegar que o indivíduo morreu de  infarto do miocárdio, acidente, derrame cerebral e outros. Na Idade  Média, a Igreja Católica Romana condenou o suicídio e os suicidas.  Aqueles que morriam dessa forma não eram enterrados, seus corpos ficavam  ao ar livre para serem devorados pelas feras e aves de rapina.1
O teólogo Hans Ulrich Reifler, no seu  livro A Ética dos Dez Mandamentos, corrobora essa idéia, dizendo que  “todos os teólogos de todas as épocas e todas as tradições cristãs  condenam o suicídio” (grifo nosso). Para ele, quer seja por desespero ou  descontrole emocional-mental, a pessoa peca por não crer na intervenção  divina.2
Seria certo rotularmos todos aqueles que  cometeram o suicídio como alienados da salvação, sendo julgados como  achados em falta na balança divina? Analisaremos uma possível resposta a  essa pergunta considerando: (1) que fatores podem levar uma pessoa a  cometer tal ato; (2) a relação entre depressão e suicídio; (3) um breve  panorama bíblico.
Possíveis causas
A taxa de suicídio varia muito de país  para país. As pesquisas mostram que é na Europa que aparecem os maiores  índices. Para se ter uma idéia, na Finlândia ocorrem cerca de 28  suicídios para cem mil habitantes. Já a Suíça fica em segundo lugar, com  cerca de 24 suicídios para cada cem mil habitantes. Na lista, outros 18  países antecedem a Grécia e o Brasil, ambos com uma taxa de três mortes  para cada cem mil habitantes.3
As pessoas que cometem suicídio são  levadas a fazê-lo por vários motivos. Há aqueles que se matam por  motivos religiosos, outros por ideais políticos e, até mesmo por  orgulho, como é o caso daqueles que não suportam a idéia de sentirem-se  derrotados. Infelizmente, existem até mesmo os que tiram sua vida com o  intuito de fazer recair a culpa sobre outros.
Entretanto, as pesquisas mostram que o  principal motivo que leva as pessoas a cometer o suicídio é a depressão.  Ela é responsável por 70% dos casos. Apenas nos Estados Unidos, cerca  de trinta mil pessoas morrem a cada ano com problemas depressivos.4  Assim, nesse artigo vamos nos ater a analisar o suicídio relacionado com  o estado depressivo.
A depressão afeta pessoas de ambos os  sexos, embora as mulheres sejam as vítimas mais comuns, são os homens  que se mostram mais propensos ao suicídio.5 Porém, após os 65 anos,  tanto homens como mulheres acabam sofrendo igualmente da doença.  Ademais, pelo menos um dentre cinco adultos terá depressão em algum  momento da vida.6
Aqueles que estão passando por algum  período de depressão muitas vezes se perguntam: para que viver? Qual é o  objetivo da vida? Vale a pena seguir vivendo? Esse pensamento é típico  daqueles que possuem uma forte tendência ao suicídio e necessitam  seriamente de ajuda.7
A doença
O psiquiatra Charles Nemeroff chama o  cérebro de órgão da mente.8 Por ser um órgão, se adoece, o cérebro deve  receber tratamento. Esse é o caso da depressão. Uma pessoa depressiva  pode apresentar vários sintomas, tais como constante cansaço, problemas  de sono, lentidão mental e física, perda de apetite, desinteresse pelo  sexo e outros. Em diagnóstico de quadro depressivo, os sintomas se  apresentam no intervalo de duas semanas a dois anos. Os episódios duram  geralmente entre três a 12 meses, com uma média de seis meses.9
Porém, qual seria a causa desses  sintomas? Eles podem ser causados pelo baixo nível neurotransmissores,  determinadas substâncias químicas no cérebro. Isso, por sua vez, pode  ser resultado do estresse. Dependendo do caso, para se tentar normalizar  os níveis dessas substâncias, algumas pessoas são medicadas.10
Um tiro pela culatra
Alguns remédios usados no tratamento da  depressão possuem algumas reações um tanto curiosas e, até mesmo  contraditórias. O site da agência BBC11 , em uma reportagem publicada em  15 de outubro de 2004, informa que os fabricantes de anti-depressivos  nos Estados Unidos seriam obrigados a colocar nas embalagens avisos de  que os remédios podem estimular tendências suicidas entre os jovens. Já o  site do British Medical Journal12 , na edição de 19 de fevereiro de  2005, adverte que drogas anti-depressivas podem estar associadas com um  risco aumentado de comportamento suicida. Outro site, o do jornal  Correio da Manhã13 , de Portugal, em reportagem publicada em 27 de abril  de 2005, traz que o suicídio juvenil é potencializado pelo uso de  anti-depressivos (como o Prozac). A mesma fonte afirma que a ligação  entre atos suicidas ou de violência e a fluoxetina – substância ativa do  Prozac – já tinha sido estabelecida em doentes adultos.
Essas notícias nos deixaram intrigados, e  nos levaram a pesquisar algumas bulas de remédios. Veja o que  encontramos em três deles:
(1) Lexotan® CR (Bromazepam): dentre os  efeitos indesejáveis destacamos o embotamento emocional e confusão  mental. Podem ocorrer algumas reações paradoxais como inquietação,  agitação, agressividade, delírios, pesadelos, alucinações e etc.;14 (2) 
Valium® (Diazepam): “Benzodiazepínicos não são recomendados para  tratamento primário de doença psicótica. Eles não devem ser usados como  monoterapia na depressão ou ansiedade associada com depressão, pela  possibilidade de ocorrer suicídio nestes pacientes”;15
(3) Dormonid® (Maleato de midazolam): “Benzodiazepínicos não devem ser  utilizados isoladamente para tratar depressão ou ansiedade associada a  depressão, pois podem facilitar impulso suicida em tais pacientes”(grifo  nosso).16
Um caso esclarecedor
Em suma, uma pessoa depressiva está  mentalmente doente, passando por distúrbios mentais e muitas vezes  fazendo uso de determinados medicamentos que, mesmo em casos raros,  podem levá-la ao suicídio. Como avaliar as ações de alguém nesse estado?  Uma pessoa com um quadro assim pode estar fazendo pleno uso da sua  faculdade da razão? Portanto, voltamos agora à pergunta do início: seria  certo rotularmos todos aqueles que cometeram o suicídio como alienados  da salvação, sendo julgados como achados em falta na balança divina?  Estariam certas as enfáticas afirmações de Reifler?
Para tentar clarificar ainda mais nosso  pensamento, usaremos o pertinente caso de Phineas Gage. Ele era um  contramestre de 25 anos de idade, que trabalhava na construção de uma  linha férrea. No dia 13 de setembro de 1848, estava fazendo preparativos  para uma explosão, socando pó explosivo em um buraco com uma barra de  ferro. Em um dado momento, a barra atingiu uma pedra produzindo uma  faísca. Quando a carga explodiu, a barra com um metro de comprimento,  pesando cerca de seis quilos atravessou-lhe a cabeça abaixo do olho  esquerdo, passando seu lobo frontal saindo pela parte superior do  crânio. O buraco tinha mais de nove centímetros de diâmetro. Apesar de  tudo, após um mês ele estava fora da cama e caminhando pela cidade.
Aqueles que o conheciam, relatam que Gage  estava aparentemente normal, exceto num aspecto: sua personalidade  havia sido séria e permanentemente alterada. Quando voltou ao antigo  emprego, os colegas notaram que aquele que tinha uma mente equilibrada,  que era um trabalhador perspicaz, eficiente e muito persistente em seus  trabalhos, tornara-se indeciso, grosseiramente irreverente e impaciente.  Seus amigos disseram que ele “não era mais o Gage”. O instrumento  lesionou gravemente o córtex cerebral de ambos os hemisférios,  particularmente os lobos frontais. Foi essa lesão que fez com que o  jovem se portasse de maneira diferente a anterior. Há relatos de que sua  personalidade foi alterada muito mais que sua inteligência.17
O caso de Phineas Gage nos mostra  claramente que após o acidente ele passou a ser agressivo, impaciente e  irreverente. Assim sendo, fazemos pelo menos duas perguntas: (1) levando  em consideração o antes e o depois do acidente, até onde o Senhor  levará em consideração o tempo em que Gage tinha plena razão da sua  consciência? e (2) será ele julgado nas cortes celestes pelo que era, ou  pelo que se tornou após o acidente?
E agora?
A Bíblia, embora nunca mencione a palavra  suicídio, fala do assunto. Ela revela algumas pessoas que desejaram e  até cometeram atos suicidas. Dentre os casos daqueles que pediram a  morte nos lembramos de Moisés e Elias. É certo que você poderá pensar  que nesses dois casos não há pecado, por se tratar simplesmente de um  pensamento, mas não podemos nos esquecer que Jesus, em Mateus 5:28, diz:  “Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção  impura, no coração já adulterou com ela”. Jesus dá a entender que não é  somente o ato que nos faz pecar, mas que o desejo do coração já é  considerado pecado.
Temos o caso de Saul, que em sua aberta  rebelião contra Deus, em seu íntimo orgulho, joga-se sobre sua espada  para não ser morto pelos filisteus (1Sm 31:3 e 4). Judas, também é um  caso de rebelião e afastamento declarado de Deus. Mas o que dizer de  Sansão? O próprio Reifler, que diz que o suicídio é sempre errado,  esquece que o nome de Sansão encontra-se na galeria dos heróis da fé, em  Hebreus 11. Eu diria que a história de Sansão é um caso clássico de que  Deus não julga os casos de suicídio da mesma forma.
Logo, embora o suicídio não seja aprovado  por Deus, cremos que Ele é justo juiz, e que “há de julgar todas as  coisas até as que estão escondidas…”. Muitas pessoas quitaram suas vidas  não por rebelião aberta e afastamento declarado de Deus, mas, quem  sabe, por estarem mentalmente doentes. Pessoas que provavelmente foram  levadas a cometerem um ato que não fariam em sã consciência, fazendo  pleno uso da faculdade da razão.
Àqueles que perderam algum ente querido  nessas condições, podemos consolar sugerindo que esperem no Senhor. No  tempo determinado Ele certamente revelará a Sua justiça.
Notas 
1 Sansano, R., Suicídio Buscando Alternativas, pág. 35, 71
2 Reifler, H. U. A ética dos Dez Mandamentos, pág. 122, 123
3 Alzugaray, D., Istoé, Guia da Saúde Familiar – Depressão, pág. 89
4 Sansano, R., Suicídio Buscando Alternativas, pág. 119
5 Atkinson, R. L., Introdução a Psicologia de Hildgard,, pág. 563
6 Alzugaray, D., Istoé, Guia da Saúde Familiar – Depressão, pág. 9
7 Sansano, R., Suicídio Buscando Alternativas, pág. 7
8 Bear, M. F., Neurociências – Desvendando o Sistema Nervoso, pág. 691
9 Dalgalarrongo, P., Psicopatologia e Semiologia dos Tratamentos Mentais, pág. 190, 192
10 Alzugaray, D., Istoé, Guia da Saúde Familiar – Depressão, pág. 19
11 http://www.bbcbrasil.com
12 http://www.emedix.com.br/not/not2005/05fev17psi-bmj-sbc-suicidio.php
13 http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=158124&idselect=10&idCanal=10&p=94
14 http://www.roche.com.br/bulas/web/produtos_descricao.asp?codproduto=68
15 http://www.roche.com.br/bulas/web/produtos_descricao.asp?codproduto=25
16 http://www2.roche.com.br/bulas/web/produtos_descricao.asp?codproduto=16
17 ibid, pág. 586, 587
2 Reifler, H. U. A ética dos Dez Mandamentos, pág. 122, 123
3 Alzugaray, D., Istoé, Guia da Saúde Familiar – Depressão, pág. 89
4 Sansano, R., Suicídio Buscando Alternativas, pág. 119
5 Atkinson, R. L., Introdução a Psicologia de Hildgard,, pág. 563
6 Alzugaray, D., Istoé, Guia da Saúde Familiar – Depressão, pág. 9
7 Sansano, R., Suicídio Buscando Alternativas, pág. 7
8 Bear, M. F., Neurociências – Desvendando o Sistema Nervoso, pág. 691
9 Dalgalarrongo, P., Psicopatologia e Semiologia dos Tratamentos Mentais, pág. 190, 192
10 Alzugaray, D., Istoé, Guia da Saúde Familiar – Depressão, pág. 19
11 http://www.bbcbrasil.com
12 http://www.emedix.com.br/not/not2005/05fev17psi-bmj-sbc-suicidio.php
13 http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=158124&idselect=10&idCanal=10&p=94
14 http://www.roche.com.br/bulas/web/produtos_descricao.asp?codproduto=68
15 http://www.roche.com.br/bulas/web/produtos_descricao.asp?codproduto=25
16 http://www2.roche.com.br/bulas/web/produtos_descricao.asp?codproduto=16
17 ibid, pág. 586, 587
Referências bibliográficas
ALZUGARAY, D. Istoé, Guia da Saúde Familiar – Depressão. Ed. Especial n.º 8: Cajamar-SP: Três, 1999
ATKINSON, R. L. Introdução a Psicologia de Hildgard, Ed. 13ª. Porto Alegre: Artmed, 2002
BEAR, M. F. Neurociências – Desvendando o Sistema Nervoso. Ed. 2ª. Porto Alegre: Artmed, 2002
DALGALARRONGO, P., Psicopatologia e Semiologia dos Tratamentos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000.
REIFLER, H. U. A ética dos Dez Mandamentos. São Paulo: Vida Nova, 1992
SANSANO, R. Suicídio Buscando Alternativas. Barcelona: Clie 1992
ATKINSON, R. L. Introdução a Psicologia de Hildgard, Ed. 13ª. Porto Alegre: Artmed, 2002
BEAR, M. F. Neurociências – Desvendando o Sistema Nervoso. Ed. 2ª. Porto Alegre: Artmed, 2002
DALGALARRONGO, P., Psicopatologia e Semiologia dos Tratamentos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000.
REIFLER, H. U. A ética dos Dez Mandamentos. São Paulo: Vida Nova, 1992
SANSANO, R. Suicídio Buscando Alternativas. Barcelona: Clie 1992
*aluno de Teologia do Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP.
Fonte: SÉTIMO DIA

Que buscamos a verdade através das Escrituras Sagradas, pois nela encontramos a verdade de Deus para nossas vidas. Que o Grande e bondoso Deus continue nos orientando sempre até a volta de Jesus, aí iremos viver com Ele no Céu, por toda a eternidade. Ficam com Deus...
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